Por Nathália Pandeló Corrêa

O Midnight Oil está no Brasil para sua maior turnê nos últimos 20 anos. Após o fim das atividades da banda australiana, em 2002, só dois shows beneficentes quebraram esse hiato de uma década e meia. Nesse meio tempo, os músicos seguiram se dedicando a projetos diversos e o vocalista Peter Garrett assumiu gabinetes do ministério do governo federal da Austrália, onde se dedicou a políticas públicas voltadas para o meio ambiente – não sem uma certa dose de polêmica.

Isso porque o Midnight Oil sempre associou seu posicionamento político às canções, o que produziu hits como “The Dead Heart”, “Redneck Wonderland”, “Power and the passion” e “Beds Are Burning”. O retorno da formação clássica coincide com o lançamento de uma caixa especial com todos os discos e EPs da banda, batizado de “The Full Tank”; e de um baú de tesouro com 4 CDs e 8 DVDs chamado “The Overflow Tank”, este com mais de 14 horas de material raro ou mesmo inédito. Pra completar, a banda lança sua primeira coleção completa em vinil, que traz 11 LPs e dois EPs de 12”, produzidos e remasterizados em Abbey Road.

A turnê mundial “The Great Circle 2017” vai literalmente circular todo o planeta durante seis meses, começando e terminando com shows em Sydney, na Austrália. O nome remete ao uso do “grande círculo” por marinheiros e aviadores para navegar pelo globo terrestre – em uma esfera, a distância mais curta entre dois pontos geralmente não é uma linha reta. Claro que as emissões de carbono para essas viagens serão totalmente compensadas e iniciativas de sustentabilidade serão realizadas em todos os shows, o que demonstra que a banda segue na sua preocupação com questões ambientais.

Mas não só. Conversamos por telefone com o guitarrista Jim Moginie, que estava em São Paulo para um dos shows da turnê. Saiba mais sobre este novo momento da banda abaixo:

TMDQA: Oi Jim, obrigada por tirar um tempo pra falar com a gente. Sei que com a turnê, fica corrido, mas posso dizer que seus fãs estão empolgados de ter uma chance de ver vocês ao vivo. Já faz um tempo, né? E agora vocês estão na sua maior turnê nos últimos 20 anos. Você sentiu falta disso?

Jim Moginie: Ah, sim. (Pausa) Com certeza. Nós tocamos juntos por 25 anos, sabe? Fomos de 1975 até 2002, então foram mais de 25, na verdade. E pra te ser sincero, a gente fica meio que de saco cheio (risos). É triste, mas é verdade. Depois de um tempo, parece que você já atingiu o seu máximo potencial e é isso. O Peter queria focar mais na parte política, nós queríamos fazer outras coisas. E pensamos, “então vamos lá fazer isso”. E todos nós fomos realizar outros projetos, dentro ou fora da música. Eu mesmo não me distanciei, toquei com orquestras, fiz música irlandesa, trilha sonora… Fizemos de tudo mesmo. E agora fez sentido voltar, então voltamos. Até porque estamos lançando a caixa com tudo da nossa carreira, então o momento veio a calhar.

TMDQA: Eu queria mesmo tocar nesse assunto: como foi esse projeto e o processo de revisitar a carreira de vocês até aqui? Bateu uma nostalgia?

Jim: (Risos) Com certeza! Do bom e do ruim, né? Porque a gente ouve tudo mesmo, e aí nota tudo o que fez de certo e o que fez de errado. Mas acho que isso faz o som parecer mais real, mais cru. Não é algo que nos incomode e faz parte da nossa história. Como eu disse, dá pra notar os acertos também, as boas músicas que criamos ao longo desses anos. Você já olha com uma outra perspectiva.

TMDQA: E vocês remasterizaram tudo, não foi isso?

Jim: Exato. Começamos esse processo em 2009, então foi tudo remasterizado e restaurado em Londres. Estávamos juntando tudo e buscando também os materiais que ninguém tinha ouvido ainda. Tem mais de 14 horas de gravações raras ou inéditas, então será uma oportunidade de ouvir essas coisas. Tem bastantes demos, que não estão na melhor qualidade, mas era parte do nosso processo de construir a música até dar aquela polida com um produtor e ir pro estúdio sem fazer besteira (risos).

TMDQA: E aí vocês embarcaram nessa turnê, e escolheram apenas o Brasil da América do Sul antes de seguir pros Estados Unidos, Canadá, Europa, Austrália e Nova Zelândia. Tem um motivo especial pra esse “desvio de rota”? Vocês têm alguma boa lembrança das outras vezes que passaram aqui?

Jim: Ah, mas é claro! Essa é a nossa terceira vez aqui e é sempre muito legal. Eu acho o povo brasileiro muito parecido com o australiano. São pessoas simpáticas, fáceis de lidar, interessantes – pelo menos é essa a impressão que eu tenho! E aqui também tem uma cultura de surf muito forte que é muito familiar pra gente. E o Brasil é uma parada importante no mapa, sabe? Ontem nós estávamos em Curitiba fazendo o show e foi incrível sentir a receptividade das pessoas. E nós estamos só a fim de fazer um bom show pra todo mundo, que nos deixe empolgados e também o público, claro. Nem chegamos a ensaiar muito pra esses shows, porque queríamos focar no momento e as pessoas nos receberam com empolgação, cantando as nossas músicas… Foi realmente demais!

TMDQA: É que aqui a gente compensa o tempo perdido com calor humano!

Jim: Sim, isso é verdade (Risos).

TMDQA: Bom, eu não queria resumir a música de vocês a política, porque não é isso, elas se sustentam sozinhas. Mas é impossível dissociar o trabalho da Midnight Oil do cunho político e ativista que os músicos têm, em maior ou menor grau. Como você comentou, o Peter foi trabalhar no governo nos últimos anos. Como funciona essa associação tão forte entre o trabalho musical e o posicionamento político da banda? Agora olhando pra trás, você acha que poderiam ter deixado isso de lado em algum momento ou não seria a mesma coisa?

Jim: Não mesmo! (Risos) Quando nós começamos a tocar, a indústria da música da época não queria saber da gente. Então decidimos falar sobre assuntos que nos preocupavam – desarmamento, questões ambientais, organizações de caridade e coisas do tipo. Colaboramos com o Greenpeace, nos aproximamos das pessoas, que estão na base, e conversamos com eles sobre seus problemas. A questão aborígene, por exemplo, era algo que não se ousava falar ou chegar perto. E tudo isso foi uma bela forma de aprender sobre o mundo. Não se trata de pregar política para as pessoas, mas a gente traz para a música o debate em torno do mundo à nossa volta. Hoje mesmo as pessoas buscam entender o mundo confuso em que vivemos, fenômenos como Trump nos Estados Unidos, mas pra essas grandes questões, é só nos voltarmos para as pessoas e o que elas passam, tentar entender. Se você ficar assistindo a CNN o dia inteiro, eles vão te fazer uma lavagem cerebral de que tudo que acontece no mundo é bombardeio e ataque, quando não é isso. Eu sou bem otimista, mas sei que nada vai ser realizado se ficarmos no sofá assistindo às desgraças do mundo. Hoje estamos aqui em São Paulo e estamos acompanhando essa greve geral que vocês estão tendo [paralização que aconteceu em 28/04], e se você pega nossas músicas, alguns desses problemas que citei aqui já estavam lá. As questões continuam muito parecidas, mas os tempos são outros. Então o que queremos é trazer as pessoas para a discussão, fazer com que elas vão para a rua e vivenciem as coisas, para que possam entender melhor o mundo. Eu tenho esperanças de que muita coisa ainda vai mudar, é o que eu espero. Aliás, não só eu, vejo pessoas de outras gerações também falando dessa esperança.

TMDQA: Aí que está: por um lado a gente espera, torce, tenta fazer a diferença, se mobiliza. Mas por outro lado, quem vivia num clima político relativamente estável, agora também sente que estamos num ponto baixo, de que alguma coisa mais séria, mais extrema, está acontecendo, com tanta crise econômica, social e política no mundo. Você já disse que não é pessimista com relação a isso, mas será que essa sensação de incerteza não vai render pelo menos um disco novo do Midnight Oil?

Jim: (Risos) Olha, até pode, até pode!

TMDQA: A gente tem que ver o lado bom das coisas, não é?

Jim: Exatamente! Eu acho que pode ter disco sim, mas nesse momento é bem complicado de saber. A gente acabou de voltar a tocar junto, estamos no início dessa turnê, então ainda estamos nos acostumando com tudo. O mais importante é nós sentarmos e dizermos “Ok, nós precisamos falar sobre esse assunto”, então com certeza todos dirão “então vamos escrever umas canções”. Nós sempre fomos caras criativos, não seria um problema compor. Eu não posso prometer nada agora, mas o que nos move é a paixão por algo. Se tivermos esse desejo, aí é só pegar e fazer. Modéstia à parte, nunca tivemos dificuldade em criar boas músicas.

TMDQA: Bom, então já vamos pensando nessa possibilidade. Enquanto isso, queria encerrar o nosso papo falando de discos. O nosso site é muito voltado pra essa paixão que temos pela música, então gostaria de saber que discos ou artistas você tem ouvido ultimamente e que têm te feito uma boa companhia nessa turnê!

Jim: Uhm… Ótima pergunta, tem muita coisa boa acontecendo. Vamos lá, do que podemos falar? Tem uma banda australiana excelente, chamada AB Original. Eles têm uma música que ouvimos direto, chamada “January 26”. Também tem a Olympia, que é uma cantora nova e tem uma música chamada “Smoke signals”. Eu também adoro música irlandesa tradicional, então estou sempre ouvindo. Ah, tem muita coisa boa acontecendo no hip hop, por exemplo. No rock e no pop também, mas acho que algo de diferente atualmente é uma exceção à regra. (Se afasta do fone) O que a gente tem ouvido nessa turnê? (Vozes ao fundo, Jim volta ao telefone) Isso, tem um cara muito bom, o Neil Murray. Nós fizemos uma turnê juntos pelo interior do outback [região desértica na Austrália], então às vezes faço algum show com ele também. E tem ainda o King Gizzard & the Lizard Wizard, que é excelente. Você precisa procurar!

TMDQA: Faremos isso! Obrigada pela atenção e bons shows para vocês no Brasil!

OUÇA AGORA MESMO A PLAYLIST TMDQA! ALTERNATIVO

Clássicos, lançamentos, Indie, Punk, Metal e muito mais: ouça agora mesmo a Playlist TMDQA! Alternativo e siga o TMDQA! no Spotify!