“Gente de minha rua / Como eu andei distante / Quando eu desapareci / Ela arranjou um amante / Minha normalista linda / Ainda sou estudante / Da vida que eu quero dar”
(Tudo outra vez, Belchior)

Sou de uma geração que viveu um domingo de luto. Uma geração de mais ou menos “vinte e cinco anos de sonhos, de sangue e de América do Sul”. Uma geração que redescobriu Belchior como um mito, um profeta de liberdade que se perdeu no mundo, e não pelo homem que ele é. Hoje, com sua morte, sua figura lendária se torna mais forte. E mais do que nunca, se torna um ícone.

Meu primeiro contato com a obra do Belchior veio com Los Hermanos – e não foi pelo cover de “A Palo Seco” que eles gravaram. Foi por um show que fizeram juntos, no dia 28 de junho de 2006, no finado Canecão, no Rio. Na época eu tinha de 15 pra 16 anos e meu tio, que me levou para o show, me alertava durante todo o caminho: “Daniel, preste muita atenção no Belchior. Ele tem algo a dizer, ele é um grande artista.”

Tenho muito orgulho de ter prestado atenção, de ter ouvido aquele que foi um dos últimos públicos do artista antes do seu polêmico desaparecimento. Orgulho de ter visto aquela figura rústica com seu imponente bigode e voz. Aquela figura que era muito mais que o compositor de “Como Nossos Pais”.

“Eu estou muito cansado / Do peso da minha cabeça / Desses dez anos passados (presentes) / Vividos entre o sonho e o som.”
(Todo Sujo de Batom, Belchior)

Com o passar desses mais de 10 anos, a polêmica foi se diluindo na força da obra do compositor. Cantando liberdade e inquietude em um dos momentos mais conturbados da nossa história recente, Belchior e suas angústias de alguém em busca de um lar caíram como uma luva para uma geração que diariamente questiona os valores de seus sucessos e o peso de seus fracassos, que busca no passado a prova de que precisamos na verdade olhar para o presente.

Suas letras pareciam mantras saídos da boca de um poeta, sua figura – envolta pela lenda do seu desaparecimento – se tornou a de conhecimento sábio, alguém que descobriu alguma verdade e foi embora. Cabia a nós decifrar sua motivação.

Desde o primeiro disco que o consagrou nacionalmente, Alucinação (1976), Belchior discorria em suas canções sobre como não se sentia confortável onde estava, falava com pesar da saudade de casa ao mesmo tempo que perdia suas raízes. Era como se uma força maior levasse aquele “rapaz latino americano, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior” para longe de casa – e que, apesar de pensar em voltar, focava sempre em seguir em frente, pois “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Se inspirando no que os revolucionários de sua época Dylan e Beatles faziam, mas deixando claro que “por força deste destino / um tango argentino / me vai bem melhor que um blues”. A sua morte, silenciosa e surpresa, só deixa mais força a sua lenda. Cria uma figura que ele criticava em “Como Nossos Pais”, a de que depois dele não apareceu mais ninguém.

Belchior estará sempre vivo em suas canções, criando marcos de angústias para seguidas gerações. Fazendo nossos filhos questionarem se estão ficando parecidos com a gente no futuro. Hoje é dia de louvar a obra dele, de ouvir aquela trinca maravilhosa de Alucinação, Coração Selvagem e Todos os sentidos, de ouvir a obra dele na voz de outros artistas. A voz dele em quem recriou, se inspirou e vai levar o lirismo de liberdade adiante,  sempre amando e mudando as coisas, como ele mesmo disse que interessava mais.

“Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho / Deixem que eu decido a minha vida / Não preciso que me digam, de que lado nasce o Sol / Porque bate lá o meu coração”
(Comentário a Respeito de John, Belchior)

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