No início de “III”, a última parte da suíte A Arte do Retorno, de Philippe Meyohas, o fôlego contínuo do clarone traça a linha do horizonte. A sensação é de inércia, de estar à mercê de um lamento flutuante.

Como o toque de um dedo que, mesmo com leveza, rompe a pasmaceira de uma poça d’água, notas tênues na viola caipira reconstroem o humor do trecho, agregando um outro nível de tensão à instalada inicialmente. Em resposta, o caminhar arrastado do violoncelo dialoga com ambos e cria uma nova troca, uma atmosfera encolhida que subitamente retorna ao transe inicial do clarone solo.

Quando tudo isso evapora no silêncio, depois de passeios dramáticos pela geografia emocional da faixa, uma gravação caseira surge repentinamente, e uma voz feminina – a primeira nos 15 minutos da suíte – ocupa o vácuo deixado pela intensidade da faixa. É a mãe de Philippe, falecida recentemente, em canção improvisada com ele, dando um fim lânguido e inquieto a A Arte do Retorno, segundo trabalho do compositor que você ouve em primeira mão aqui no Faixa Título:

Descrita assim, A Arte do Retorno pode até parecer um intrincado jogo harmônico, um tabuleiro melódico rebuscado, complexo e distante. Não é. Reunindo um trio inusitado de instrumentos, Meyohas transforma erudição em sentimento em seu segundo trabalho, o primeiro desde Alvíssaras, sua estreia como cantor e compositor, de 2015.  E o núcleo da obra é justamente essa conexão emocional explícita e visceral.

A Arte do Retorno é meu segundo trabalho e enfim uma obra em que me dedico à linguagem musical plenamente, à exploração estrita da forma e narrativa composicionais — muito diferente do Alvíssaras, da canção arranjada”, explica Philippe, em mensagem escrita ao blog. “O que me proponho”, continua, “é justamente explorar maneiras de minimalismo e suas expressividades dentro da expansão desses paradigmas tradicionais”.

O grande mérito de A Arte do Retorno é conquistar a atenção do ouvinte com elegância cirúrgica, respeitando a própria relação dele com a obra, sem apelar para o sentimentalismo raso.

“Existem dois tributos sutis, a suíte se encerrar com uma citação de ‘Shalom Aleichem’, que é um canto de shabat, algo que me remonta a minha avó, e a (não tão sutil assim) ‘hidden track‘ de mim tocando com a minha mãe”, conta. “Por mais que eles fiquem bastante incógnitos, acho que tendo a preferir desde modo que escancarados. E acho que como ouvinte enxergaria beleza nessa falta de clareza.”

O EP, disponível no Soundcloud e no Bandcamp de Philippe a partir de hoje, tem Philippe na viola caipira, acompanhado pelo violoncelo de Murilo Alves e o clarone de Victor Hugo Rêgo. O trabalho foi gravado e mixado por Guilherme Marques no Estúdio Frigideira, no Rio de Janeiro, com masterização de Alexandre Rabaço.

OUÇA AGORA MESMO A PLAYLIST TMDQA! ALTERNATIVO

Clássicos, lançamentos, Indie, Punk, Metal e muito mais: ouça agora mesmo a Playlist TMDQA! Alternativo e siga o TMDQA! no Spotify!