2016 foi exaustivo. O convívio em sociedade nos exigiu compreender o incompreensível, abraçar o intolerável, subir paredes de areia à beira-mar. A cada instante a desarmonia total apontava para novos nortes, direções opostas, contradições frequentes, e quase nada pareceu constante. E no meio de tudo isso, a música. Música inventada e gravada às vezes em anos anteriores, mas que encaixaram-se perfeitamente à falta de nexo da humanidade no ano que acaba em breve.

Se a produção cultural é reflexo do mundo que cerca o artista, o caos tem feito muito bem ao trabalho de músicos, produtores, compositores e todos os outros criativos que se envolveram na criação musical em 2016. Para nós, que ouvimos mas também escrevemos, falamos e espalhamos música, é quase impossível fazer um panorama justo dos acontecimentos musicais em 2016.

Ouça: doismile16, uma playlist do Faixa Título

Um ano que chegou nos arrancando David Bowie, e tantos outros ao longo do caminho. Um ano em que a maior popstar do mundo lançou um álbum multiplataforma sobre questões políticas, enquanto o pop no Brasil segue ignorando os acontecimentos daqui. Um ano que deixa, sobre o nada, alguns dos melhores trabalhos tanto de artistas renomados, de ampla divulgação da mídia, quanto de pequenos artistas independentes, com pouca ou nenhuma projeção.

Ao longo do ano, escrevi sobre muitos artistas e discos que considero especiais, e recentemente, publicamos aqui no Tenho Mais Discos Que Amigos! as listas de melhores álbuns nacionais e internacionais do ano. Alguns dos meus favoritos estão nessas listas, mas separei outros 20 (e poucos) discos que ficaram de fora delas e dos compilados de outras publicações. Discos que considero essenciais para esquecermos o que de ruim trouxe 2016, e virarmos o ano com alguma esperança de um 2017 melhor – se não para o mundo, pelo menos para a música.

The Comet Is Coming – Channel The Spirits

Channel the Spirits, estreia do trio britânico The Comet is Coming, é construído com bateria, sintetizadores e saxofone. A combinação resulta em um jazz explosivo, que se concecta com a vanguarda eletrônica e a neo-psicodelia com uma dinâmica fluida, orgânica, difícil de se achar na música digital.

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G.L.O.S.S – Trans Day of Revenge

Trans Day of Revenge é o EP de despedida do grupo punk G.L.O.S.S. – sigla para Girls Living Outside Society’s Shit, ou Garotas Vivendo Fora das Merdas da Sociedade. A pegada extremamente agressiva do grupo é o combustível ideal para as letras provocantes e contestadoras, que abordam questões de gênero com uma fúria contagiante. O grupo despontou com uma demo excepcional em 2015, rejeitou um contrato de 50 mil dólares oferecido pela Epitaph Records, e reafirmou o espírito punk em Trans Day of Revenge, deste ano. Infelizmente o G.L.O.S.S. anunciou o fim semanas depois do lançamento do novo EP, por causa do danos “à saúde física e mental” dos integrantes. Uma pena.

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Amaro Freitas – Sangue Negro

Disco de estreia do pianista pernambucano Amaro Freitas, Sangue Negro esbanja técnica e erudição, mas em momento algum soa “cabeça” ou difícil de digerir. Pelo contrário; o jazz tingido de brasilidade do disco, abrilhantado pelas linhas habilidosas de Freitas, chama atenção justamente por agradar tanto aos ouvidos acostumados quanto aos recém-interessados pelo jazz.

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Huerco S. – For Those of You Who Have Never (And Also Those Who Have)

For Those of You…, segundo álbum do produtor americano Huerco S., passa longe da fritação das pistas, mas conversa com a eletrônica através de belíssimas texturas e colagens digitais. O álbum soa, na verdade, como a paz inquieta de um domingo tranquilo após um noite de excessos, onde beats e blips ressurgem com frequência, mas sempre ao longe.

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Jenny Hval – Blood Bitch

Blood Bitch é o sexto e melhor lançamento da cantora e compositora norueguesa Jenny Hval. O disco é uma neblina forte, dolorosa e densamente feminina, com vigor renovado a cada audição. Talvez não bata de primeira, mas vale insistir. Quando bater, é viagem sem volta.

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Soft Hair – Soft Hair

Pop experimental de primeira linha, resultado do encontro entre os geniais Connan Mockasin (um ás do revival psicodélico dessa década) e Sam Dust, mais conhecido pela produção sob o pseudônimo LA Priest. Soft Hair, o disco, é envolvente, divertido e altamente acessível, mesmo quando se afasta dos formatos tradicionais da música pop.

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Jambinai – A Hermitage

O Jambinai funde os aspectos mais pesados e sombrios do post-metal com a música tradicional sul-coreana, e por mais exótico que isso possa parecer para nós ocidentais, a mistura funciona perfeitamente em A Hermitage, segundo álbum do grupo. Em uma resenha por aí, li que é o equivalente à fusão entre metal e música brasileira que o Sepultura fez em Roots. Quase isso. Preste atenção no desesperador solo de haegeum, uma espécie de pequeno berimbau coreano, no single “They Keep Silence”.

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maquinas – Lado Turvo, Lugares Inquietos

Estreia do maquinas, quarteto de Fortaleza, Lado Turvo, Lugares Inquietos é um disco nublado, sujo, magoado. O trunfo do grupo é usar isso para construir canções que trafegam entre o shoegaze e o experimental e que, mesmo extremamente sentimentais, evitam os clichês e os melodramas que ofuscam produções semelhantes.

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BADBADNOTGOOD – IV

https://www.youtube.com/watch?v=FaemvJjYrsM

Depois de se consolidar como grupo autoral no excelente III (2014), o BADBADNOTGOOD ganha versatilidade em IV, álbum assim batizado tanto por ser o quarto lançamento do BBNG como pela entrada oficial do saxofonista Leland Whitty, que transforma o ex-trio em quarteto. IV não tem a unidade nem a coesão de III, mas ganha pontos pelas parcerias com Mick Jenkins (“Hyssop of Love”), KAYTRANADA (“Lavender”) e Samuel T. Herring, do Future Islands (“Time Moves Slowly”).

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DEF – Sobre os Prédios Que Derrubei Tentando Salvar o Dia (Parte 1)

Anunciado como a primeira parte de uma trilogia, o EP Sobre os Prédios Que Derrubei Tentando Salvar o Dia, estreia do quarteto DEF, remete à urgência do punk e ao desapego do indie anos 90, sem soar datado. É o manifesto inicial do que pode se tornar um dos grupos mais interessantes da cena underground.

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Woods – City Sun Eater in the River of Light

City Sun Eater in the River of Light é o nono álbum do Woods, e traz certa tensão e suspense ao indie folk (quase sempre) solar da banda. Lançado e divulgado de maneira independente, acabou ofuscado pelos grandes lançamentos de 2016, mas merecia mais atenção.

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GoGo Penguin – Man Made Object

A qualidade cinematográfica do GoGo Penguin surge ainda mais sombria e dramática em Man Made Object, disco lançado em Fevereiro pela Blue Note Records. A formação da banda, um trio clássico de piano, baixo e bateria, é o veículo ideal para que as composições do grupo, influenciadas pela produção eletrônica, soem como se criadas no auge do cool jazz. Uma espécie de dobra no espaço-tempo da produção musical.

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Xenia Rubinos – Black Terry Cat

Xenia Rubinos é uma musicista completa. As composições da multi-instrumentista do Brooklyn brilham em arranjos extremamente bem desenhados. Cada instrumento revela performances ousadas e tecnicamente primorosas, sem nunca roubar o protagonismo daquilo que mais interessa: a canção. É como se o pop estranho de St. Vincent ganhasse sotaque soul.

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Jessy Lanza – Oh No

Às vezes, Oh No soa como os primeiros álbuns da Madonna. Em outras, conversa de igual para igual com a esquizofrenia da música eletrônica experimental. Na aliança improvável entre esses dois universos, Jessy Lanza criou um estilo próprio, igualmente desafiador e festivo.

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Kaitlyn Aurelia Smith – EARS
Kaitlyn Aurelia Smith & Suzanne Ciani – Sunergy

Kaitlyn Aurelia Smith é uma compositora americana que tem o sintetizador como instrumento-base para as suas lindas criações, meditativas e espaciais. EARS é o quinto álbum dela, mas o primeiro a ganhar projeção e reconhecimento internacional. Além de EARS, Kaitlyn ainda lançou outra grata surpresa em 2016: Sunergy, parceria com Suzanne Ciani, italiana considerada uma das precursoras da eletrônica pelo trabalho com sintetizadores desde os anos 1970. Ambos imperdíveis.

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Nonkeen – The Gamble / Oddments of the Gamble

https://www.youtube.com/watch?v=Wbjdzfo7R0c

O Nonkeen é um projeto nostálgico do talentoso tecladista alemão Nils Frahm. Entre projetos solo e parcerias (como o ótimo Collaborative Works, com o islandês Ólafur Arnalds), Frahm se reuniu com amigos de adolescência para registrar ideias antigas em um gravador de quatro canais. O reencontro deu tão certo que, em menos de um ano, gerou dois discos: The Gamble e Oddments of the Gamble, ambos espetaculares.

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Marisa Anderson – Into the Light

Into the Light é o quarto álbum de Marisa Anderson, guitarrista de Portland especialista em canções instrumentais. É como se a trilha de Paris, Texas de Ry Cooder ganhasse vida e discografia própria. Nesse disco, Marisa prima pela influência de folk e country, soando ainda mais solitária e desolada que de costume.

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São Paulo Underground – Cantos Invisíveis

Rob Mazurek, Guilherme Granado e Maurício Takara juntam-se a Thomas Rohrer em Cantos Invisíveis, novo álbum do São Paulo Undeground. Cantos Invisíveis soa como um ritual musicado por uma pequena e feroz orquestra, com influências que remetem a grandes clássicos do passado e à vanguarda da música livre, simultaneamente.

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SLVDR – Presença

Em março, quando escrevi sobre o então inédito álbum do SLVDR, reforcei que o disco prometia, só pela força de “Dark Mansa”, primeira faixa do trabalho a ser liberada. Pois Presença chegou pouco depois para confirmar o talento admirável do trio instrumental, habilidoso ao domar passagens jazzísticas com timbres e construções típicas do math-rock.

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Tim Hecker – Love Streams

Em Virgins (2013), a escuridão era a essência do trabalho de Tim Hecker. Em Love Streams, Hecker se inspira na manipulação vocal que virou tendência no pop americano (alô Kanye West, Frank Ocean, Bon Iver) e substitui as sombras por uma luz angelical, distorcendo e re-editando ideias musicais novas e regravações de peças de coros do século XV. Um disco pra torcer por um 2017 muito melhor.

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Playlist

E para fechar os trabalhos do ano, segue doismile16, uma playlist oficial do Faixa Título com 100 músicas que me chamaram atenção neste ano. São canções de álbuns que estão nessa lista e fora dela, indo do jazz experimental ao ao mais refinado pop. Até doismile17!

P.S.: gostou ou odiou as listas? Passa lá na página do Faixa Título no Facebook e dá um alô pra contar.

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