Vi o Wilco ontem (06) no Circo Voador, Rio de Janeiro. Esperávamos, eu e boa parte dos presentes, um show maravilhoso, uma ótima performance de todos os músicos, um repertório infalível, uma noite de quinta-feira muito acima da média. Tivemos tudo isso, mas tivemos muito mais.

A noite de ontem foi histórica.

Perdão pelo clichê, mas é difícil explicar em palavras o que rolou. Conversei com um amigo sobre isso semanas atrás; falávamos justo sobre a dificuldade de se transmitir, em textos como este, a experiência de estar em um show que sai da curva. De explicar a influência do ambiente, a energia dos espectadores, em palavras como “celebração”. Bleargh. Fosse Cortázar escrevendo sobre Louis Armstrong, eu dava conta. Não sou. Mas preciso falar sobre ontem.

O clima era bom, o show nem lotou. Mas quem foi estava disposto a ver o melhor show de suas vidas.

Com dez minutos de show, eu tinha certeza de presenciar uma das apresentações mais interessantes da minha vida. Não só pela qualidade técnica, que num texto tradicional a gente daria 10/10, cinco estrelas, cinco bananinhas, seja lá o critério que usemos para avaliar arte. Mas porque ver o Wilco ao vivo emociona.

E quanto a isso, não falo por mim. Falo por todos que estavam ali.

De longe, a complexidade e o primor das canções de Jeff Tweedy, vocalista, guitarrista e grande mente do Wilco, pode passar despercebida. De perto, ao vivo, com uma banda espetacular trabalhando minuciosamente em arranjos nada menos que fenomenais, a história é outra.

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Pra começar, não existe banda boa sem um bom baterista. Quando escrevo “bom”, não digo tecnicamente bom. Um bom baterista é aquele que funciona como cola entre os integrantes de um grupo, como motorista que sabe guiar com destreza o veículo que lhe oferecem. É o Iggor Cavalera autodidata que fez Roots, o anarquista musical Gene Krupa que revolucionou o jazz, as excentricidades de Keith Moon e também a precisão de Neil Peart. E é Glenn Kotche, dono das baquetas (e chocalhos e vassourinhas e uns martelinhos muito doidos e muito mais acessórios) do Wilco, o fiel escudeiro de Jeff Tweedy.

Kotche é o epítome do anti-cool. Ele vestia com uma camisa de tamanho ligeiramente maior que o ideal pra ele, com uma munhequeira listrada de vermelho, amarelo e verde no punho direito e um cabelo seboso meio sem corte. Sentado ao kit, Kotche é a pessoa mais cool do planeta. Toca como um desgraçado, poucas vezes vi algo parecido na vida. Glenn Kotche é um verdadeiro maestro da dinâmica. Ia da delicadeza à pancadaria com uma sutileza incomparável. Mostrava-se presente e confiante a todo momento, mas sem transparecer um segundo de vaidade. Excepcional.

Segundamente, Nels Cline. Primeiramente, Nels Cline. Meu senhor Jesus Cristo, se em ti eu acreditasse, eu lhe agradeceria diariamente por ter colocado Cline na minha vida. Eu nunca vi um guitarrista tocar como Cline. Como Kotche, Cline ia da sutileza ao noise extremo sem pestanejar, sempre com uma graça fluida, repleto de exageros que se encaixavam perfeitamente à brisa da banda. E lá pelo primeiro terço do show, teve aquele momento. Aquele solo.

Você sabe do que eu tô falando.

É, “Impossible Germany”.

Ali, Cline era um, mas tocava pelas duas mil cabeças que estavam ali. Aqui, clichês tipo “ele e o instrumento eram um só” ajudam, mas não explicam. Nada explica. Foi o solo mais virtuoso, mais sensível e mais musical que vi ao vivo em toda a minha vida. E os méritos vão pra Cline, mas também para a plateia do Circo.

Depois da primeira parte do solo, ali quando a banda sobe o clima e Cline vai junto, a plateia começou a cantar a base pra ele. De repente, não eram um nem seis no palco, o Circo Voador virou um inferninho. Foi emocionante, sério. E foi ali que eu entendi o porquê daquilo tudo ser tão lindo.

Voltei, por uns minutos, uns cinco anos no tempo. Eu tinha acabado de mudar de cidade. Tinha ido a Brasília buscar minhas coisas pra levar pra São Paulo. Doze horas de estrada, eu e meu pai. E um monte de discos.

Lá pelo meio do caminho, botei o Sky Blue Sky (2007) pra tocar. O primeiro disco que o Nels Cline gravou com a banda. O disco que tem “Impossible Germany”. Meu pai não conhecia o disco, e compartilhar discos e bandas sempre foi nosso melhor passatempo. Semana passada mesmo conversávamos sobre nossas descobertas recentes, como o Los Dug Dug’s e o Purple Overdose. Sempre foi nosso escape. Ele amou o disco, eu amei mais ainda o disco por isso, e a gente ouviu o disco mais umas duas vezes ao longo da viagem.

Ali, criei uma conexão emocional com Sky Blue Sky que nunca mais se dissipou. Ouvi-lo era lembrar daqueles momentos. Nos dias anteriores ao show de ontem, ouvi relatos de amigos próximos que tiveram Yankee Hotel Foxtrot (2001) como trilha da adolescência, outro tipo de ligação que só a música traz e nada desfaz. E ontem, durante o solo de “Impossible Germany”, tudo isso veio à mente, tudo fez sentido.

Nessa vida em que a gente ziguezagueia sem norte, tudo fez sentido.

Música é isso. É essa “celebração” (ai!) interna, é olhar no olho de um desconhecido e agradecê-lo por estar ali contigo. Por dividir aquele sentimento com você. E ontem, em 2h30 de show, o Wilco fez isso. Por mim e por um monte de gente. Fez certamente pelo César, que levou cartaz pedindo pra tocar “California Stars”, foi chamado ao palco pelo Jeff Tweedy, e arrebentou. Sério:

Preciso encerrar esse texto porque logo mais vou pro aeroporto. Tô indo pra São Paulo, onde amanhã vejo o Wilco de novo no Popload Festival. Talvez não seja a mesma coisa, as surpresas não brilham da mesma forma duas vezes. Mas algo me diz que pode ser. Vai ser.

Obrigado, Wilco. E até amanhã.

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