Criolo lança o single “Ainda Há Tempo”

Kleber Cavalcante Gomes, o Criolo (Doido), já não é cara nova na cena do rap há muito tempo. Em atividade desde 1989, o paulistano começou a ganhar notoriedade com o lançamento de Ainda Há Tempo, seu primeiro disco de estúdio, dez anos atrás; a partir daí, a carreira foi lentamente deslanchando, com nomeações para prêmios e o lançamento das músicas “Subirusdoistiozin” e “Grajauex”, que o jogaram no mapa do país todo.

Depois de mais dois álbuns de estúdio, duetos com os maiores nomes da música nacional, e várias turnês no exterior, Criolo se consolidou na linha de frente do gênero no Brasil. Mas nem todo o sucesso do mundo seria capaz de desvencilhá-lo de suas raízes, inclusive as profissionais: Ainda Há Tempo acabou de ser relançado com regravações de oito das suas 22 faixas, e o rapper está em turnê promovendo, novamente, o trabalho que possibilitou todos os outros.

Como se responder nossas perguntas de forma objetiva não fosse o suficiente para se expressar, o artista transformou a entrevista que você lê abaixo em grandes discursos a respeito de seu sucesso, das pessoas que o ajudaram a perseverar, e da situação calamitosa do país. De doido, Criolo tinha só o nome mesmo.

crioloTMDQA!: Você acabou de relançar o Ainda Há Tempo, com algumas faixas regravadas, e agora está em turnê promovendo mais uma vez esse disco. Os assuntos tratados nele ainda têm significância na sua vida, dez anos depois?
Criolo: Infelizmente sim. Queria dizer que ficou pra trás, mas não é assim que funciona. O rap pra mim era uma libertação, foi com ele que eu pude me sentir alguém no mundo. Isso mudou minha vida, e o que tá naquele disco ainda importa hoje, porque muita gente que sofria naquela época ainda sofre hoje. Mas as músicas falam de esperança, e pra ela sempre vai haver tempo, né?

TMDQA!: Você já cantou com alguns dos nomes mais importantes da música nacional, como a Ivete, o Emicida, e até Chico Buarque te admira. Isso é pra poucos!
Criolo: A música já me deu tantos presentes e me ofereceu tanta coisa boa que é difícil explicar a sensação. O Ney Matogrosso já regravou uma música minha, o Tom Zé já fez um samba de uma composição minha. Sabe o que é um cara como o Milton Nascimento chegar pra você e falar “Faz uma letra aí pra mim, que eu vou musicar e mandar pra Gal”? Ter o carinho do Caetano, do Chico… o Chico transformou em poesia o que eu fiz. Mas não dá pra ficar só na parte de cima da coisa. Isso é um privilégio que me foi garantido por causa de tudo aquilo que me deram quando ninguém estava vendo – todas as pessoas que não têm toda essa fama, mas que foram indispensáveis pra mim. Só tenho a agradecer por esses amigos que me permitiram fazer, desses nomes incríveis da música, meus amigos também.

TMDQA!: Seu último disco de estúdio saiu em 2014, e desde o lançamento dele você fez turnê aqui e no exterior. Existe diferença entre o público que vai nos seus shows na Europa e o público daqui, seja no comportamento ou na questão socioeconômica?
Criolo: Eu não vejo o público com diferenciação, acho que é uma honra ter uma ou cinco pessoas querendo te ver, independente de quem sejam. Antigamente, quando isso acontecia, eu e o (MC) DanDan voltávamos pra casa felizes pra caramba. Tem que agradecer por eles estarem lá, eu estar aqui, e meus parceiros como o (Daniel) Ganjaman e o Rodrigo Cabral estarem comigo aqui ou lá.

TMDQA!: Como todo mundo sabe, tanto pelas suas músicas quanto por declarações, você é socialmente engajado e atento ao que se passa na política do país. Agora que estamos vivendo dias decisivos para o futuro do Brasil, o que você acha que vai acontecer daqui pra frente?
Criolo: Os dias que estamos vivendo são decisivos porque ‘eles’ é quem decidem nossos dias, né? Isso não está nas nossas mãos. Nós demos o voto de confiança pra eles, colocamos numa condição de poder, e agora isso desencadeou uma série de conflitos. O que acontece agora é extremamente medonho.

Existem vários crimes que foram esquecidos com essa história de impeachment, como essa criminalização de professores e alunos, que é um processo de desvalorização que existe há décadas. “Vamos tirar o prestígio desse cara, porque daí ninguém vai quer ser professor”. “Tire a área de humanas das escolas, pra que humanas?”. Tudo isso tem um porquê: quando chegar um momento conturbado como esse, um entre vários, se torna mais fácil vender a ideia que eles querem vender, tem menos gente com cabeça pra fazer oposição.

Isso dói muito, a escola é a segunda casa de muita gente. Tem professor que passa mais tempo em contato com nossos filhos que com o filho dele, e você vê esse processo de banalização do professor ocorrendo… é foda. Mas ao mesmo tempo é bonito ver jovens e docentes de mãos dadas. Eles querem o melhor ambiente possível pra escola deles ser boa, pra que exista uma construção do saber. A carreira futura não importa, isso é questão pessoal, mas eles estão lutando bravamente por condições mínimas.

TMDQA!: Até as famílias estão se dividindo entre pró e contra o governo. Parece um clássico de futebol, só que mais violento ainda! Isso é uma tendência que o povo brasileiro tem de transformar tudo em uma disputa?
Criolo: Não é uma tendência nossa, isso é o que nos é oferecido. Como falei pra você: a gente luta, luta, luta, mas tá tudo na mão dos caras lá. É tudo arquitetado, não é difícil de entender. Tem escola no Brasil que tem um só livro pra todos os alunos lerem. Tem escola que o cara tem que prestar atenção na aula e, ao mesmo tempo, cuidar pra não pegar tétano. Por outro lado, olha o tanto de gente que luta por coisas positivas no nosso país, gente que dedica a vida toda em prol do bairro, da sua família, do grupo de amigos… a gente se apega nas energias boas, somos forças complementares. Não é só apontar erros, não. Tem quem faça só isso, mas tem quem busque o melhor pra todo mundo.

TMDQA!: Fechando essa turnê de dez anos do Ainda Há Tempo, o que deve rolar depois?
Criolo: Ih, sei lá. A gente tá vivendo esse momento dessa celebração de dez anos do Ainda Há Tempo. Estamos retomando as energias e vibrações de épocas distantes, até lá de 2001, quando vi pela primeira vez que era possível fazer um disquinho. Vamos aproveitar essa energia boa e venha o que vier depois.

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